sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Por estas e por outras é que "isto faz sentido" - Caminho Francês BTT

30.07.2010

... ainda faltam 6 dias, mas parece que é já amanhã!
A adrenalina já mexe, a mente não mente, só pensa no dia 5 de Agosto, vejo e revejo sites e blogs de gente que como eu (nós) - eu e o meu amigo Zé Boto, gosta de aventura e novos desafios.
Sou da opinião que, nestas coisas, não se deve "pensar em fazer", mas sim " decidir fazer", e foi isso que fizemos, a única coisa que ficou pendurada, foi a data, que no nosso caso fácilmente ficou acordada... sair no dia 5 de Agosto de 2010, tomando o velho comboio Portimão - Tunes, depois o Intercidades Tunes - Gare do Oriente, e finalmente o Sud-Express Lisboa - Hendaya.
Aparentemente, parece fácil tomar esta decisão, mas o engraçado nisto tudo, é que somos dois "jovens", com mentalidade adolescente, daquelas forjadas por uma geração de mente aberta e disciplina de compromissos, em que o espirito de equipa, a solidariedade e a amizade são uma constante da nossa relação, e só nestas e por estas circunstancias é que decidimos fazer o "caminho" juntos.
O meu amigo Zé ainda não sabe o que vai levar... mas já sabe que não vai levar mais que 5 kg; eu ainda não estou muito preocupado com a logística, não tenho tempo para pensar muito no assunto, embora já tenha uma extensa listagem de material, quando chegar o momento, vou criar uma ordem de prioridades, e tudo o que ultrapassar os 5 kg, incluindo suporte e saco, fica em "terra".
O nosso "caminho" vai ser feito em autonomia total, e pelo caminho original, o mais possível off road em bikes BTT suspensão total, uma Cannyon do Zé e uma KTM Score RC1, minha. Pessoalmente não vou em peregrinação, tendo em atenção o significado religioso da palavra. Esta aventura significa para mim um teste às minhas capacidades fisicas e psicológicas, e até certo ponto, aproveitar o meu "prazo de validade".

31.07.2010

O último sábado antes da partida serviu para fazer um teste de subida, e o que temos aqui mais parecido com os Pirinéus, é a Fóia, assim aproveitamos o bom tempo e lá fomos nós serra acima, com muito calor, mas tolerável, sempre a bom ritmo, sem grandes dificuldades.
Percorremos cerca de 77 kms, maioritáriamente asfalto, no entanto, no regresso (decida) foi por estradões de gravilha miúda, o que torna as curvas algo perigosas, e ao mesmo tempo um piso que coloca à prova as suspensões das nossas bikes.
Durante a percurso para Monchique, chamou-me a atenção um restaurante, de construção recente, com uma boa esplanada... andar de bike tem destas coisas, dá para ir apreciando o que nos rodeia. Aproveitei para ir lá almoçar depois da volta, e foi uma agradável surpresa.

01.07.2010

Zero, não fiz nada, aproveitei para fazer as últimas compras para a viagem.... uma almofada insuflável, não vá ter que dormir na rua por causa dos "roncaderos", uma toalha lisa e um novo windbraker.

02.08.2010

Tinha planeado fazer um pouco de bike ao fim do dia, mas fui jogar golfe com o meu amigo Valdemar que estava cá de férias, vindo do Luxemburgo, pura e simplesmente não podia recusar uma partidinha com este meu amigo, ainda por cima ganhei o "torneio", teve que pagar as cervejas no buraco 19.

05.08.2010

Dia D - Com as biclas embaladas - Obrigado Torrado e Gonçalo" - passei pela casa do Zé e lá fomos para a estação.
Já sabia que o Paulo Martins ia lá estar para se despedir de nós, mas tivemos uma agradável surpresa, o Ricardo Pina também foi (ambos fizeram a Via Algarviana connosco) e sei que gostariam de embarcar também. Tenho a certeza que um dia, ambos farão o "caminho".
Foi um dia de viagem agradável, até porque havia muito tempo que não andava de combóio. O Sud-Express tem algum misticismo, e a escolha que fizemos de ir num compartimento com WC e duche, jantar e pequeno almoço icluido, foi a melhor. As refeições não deslumbraram, mas foi razoável... acima de tudo dormimos bem, pois o objectivo era descansar o mais possível.
    






06.08.10 - SAINT JEAN PIED DE PORT - PAMPELONA - 68 KM

Chegados a Hendaya, apanhamos um táxi para Saint Jean Pied de Port, esta foi uma opção que tomamos com a devida antecedencia, e que se revelou a melhor opção. Não chegou a 1 hora de caminho, e logo que chegamos, começamos a desembalar e a montar as bikes, foi num instante.
Dirigimo-nos à oficina do Peregrino para receber toda a informação, e depois de tudo esclarecido, conta kilómetros a zero e lá fomos nós.
Como aperitivo, os Pirinéus - Rota de Napoleão - a adrenalina é muita, mas convém começar com cautelas, pois a subida é longa, paisagens deslumbrantes, uma pendente de respeito, em asfalto até ao topo, aí chegados, avisaram-nos que o caminho seguia com um desvio à direita, devidamente assinalado e começava a entrar em terra... finalmente! Imagino que deve ser bem difícil fazer aquele troço debaixo de chuva, embora tenhamos apanhado um tempo bom, o percurso encontrava-se pesado e enlameado, mas ciclável.
Depois, bem depois foi sempre a descer até Roncevalles, paramos para comer o primeiro menu do peregrino, e continuamos para aquela que foi a melhor parte de todo o Caminho para mim... longas descidas por singletracks, sinuosos, com muita pedra de lasca (não pedra solta) até próximo de Pampelona, feitos a uma velocidade vertiginosa, mas sempre dentro dos limites de segurança, pois não queriamos estragar tudo logo no primeiro dia. Simplesmente delicioso.

07.10.2010 - PAMPELONA - LOGROÑO - 108 KMS

Saimos de Pampelona cerca das 6.30 h, (na realidade ficamos num albergue de Stª Trinidade, algures a 2,5 kms de Pampelona, mas que não recordo o nome).
Eu estava com a moral em baixo, pois não consegui encontrar o Polar da bike, tinha que me orientar pelo que o Zé Boto me ia transmitindo ao nível de rito cardíaco, kilometragem, velocidade, etc., mas não sabia que o pior ainda estava para vir... atravessamos a cidade, e a partir daí, foi sempre a doer, subidas impossíveis, sabia que tinhamos de atingir os aerogeradores que estavam lá em cima, mas parecia que cada vez estavam mais longe. Finalmente, lá em cima.




A seguir a uma grande subida aparece uma grande descida (quase sempre)... mesmo grande, se tivesse que dar um nome a esta descida, seria "Rolling Stones", pois são autenticas pedras rolantes, que torna a estrada muito perigosa, e é preciso para além de uma boa técnica, uns bons travões. Foi só uma descida, porque depois foi sempre a subir e a descer, sempre com muita pedra, foi sempre duro até Logroño. Após 108 kms foi difícil encontra local para dormir, mas lá conseguimos.

08.08.2010 - LOGROÑO - AGÉS - 109 KMS

Passei mal a noite, os "roncaderos" não me deram  tréguas, penso mesmo que é a pior parte do "caminho", por sorte conseguimos em alguns albergues alojamento para 2, embora um pouco mais caro, mas compensa sempre que possível, pois é sinónimo de uma noite bem passada.
Comemos qualquer coisa no albergue, mas coisa pouca, metemo-nos ao caminho e paramos cerca de 10 kms mais adiante para reforço do pequeno almoço... a paragem não foi boa para as minhas pernas, foi mesmo difícil recomeçar, ainda por cima com um vento fresco pela frente, até nas descidas tinhamos de pedalar. Embora mais plano, o percurso foi difícil, porque o vento teimou em estar sempre de frente e forte até ao fim do dia.
Chegamos a Atapuerca, uma pequena aldeia antes de Burgos, mas o albergue estava cheio, assim voltamos para trás, para Agés uma pequena povoação que já tinhamos passado e que fica cerca de 2,5 kms antes de Atapuerca, pois tornava-se tarde para seguir para Burgos. Foi uma boa opção.
Ainda sobre o dia de hoje, os últimos 25 kms reservaram-nos uma surpresa desagradável... depois de um último abastecimento de água, começamos a subir, a subir... parecia que nunca mais acabava, e que quanto mais se subia, mais dificil, foi muito duro ao fim de tantos kms encontrar um terreno assim, mas fomos compensados nos últimos 5 kms com um bom plano descendente feito a uma velocidade vertiginosa, penso que foi o único momento em que tivemos o vento por trás.

09.08.2010 - AGÉS - LEDIGOS - 135 KMS

7,30 h a pedalar em terreno plano, com muita gravilha e muito vento pela frente mais uma vez. Estradões a perder de vista, cruzamos com alguns peregrinos a pé no meio daquele autentico deserto, e senti um grande respeito por aquela gente... o que motiva as pessoas a fazer uma "viagem" daquelas? Por certo um motivo bem diferente do meu! Percurso pouco interessante.
Chegamos a Ledigos, já com algum cansaço, pois não dormi na noite anterior. Conseguimos um quarto para os dois, e depois de um bom jantar - menu do peregrino - passei a melhor noite.

10.08.2010 - LEDIGOS - EL GANZO - 139 KM

Dormi bem, saimos cedo sem tomar pequeno almoço, o que fizemos numa terriola cerca de 20 kms mais à frente. Mais uma etapa plana, para mim a menos interessante. A pior parte foi atravessar Leon, a sinalética não ajudou e perdemos algum tempo. Até Leon foi rápido e foi fácil fazer 50 kms, durante a tarde foi penoso lutar contra o vento durante mais de 80 kms.
Chegamos a El Ganzo, ficamos num bom albergue, até deu para lavar as bikes. Depois de lavar a roupa, ainda fui tomar uma cañas com un amigos espanhóis no bar "Cowboy", entretanto chegou o meu amigo Boto e fomos jantar ali mesmo ao lado, talvez a melhor refeição do Caminho, chama-se a casa "La Barraca", bem bom, recomendo. Boa cozinha e gente simpática.

11.08.2010 - EL GANZO - LAGUNA DE CASTILLA - 94 KMS

Sabiamos que ia ser um dia duro, e não nos enganamos.
Saímos do plano, que como disse, foi a parte menos interessante, e entramos na montanha outra vez. E começamos logo com a subida à Cruz de Ferro, que juntamente com a subida ao Monte do Cebreiro e os Pirinéus, são a parte mais difícil do Caminho.
Foi duro mas deu muito gozo.


   

A descida da Cruz de Ferro para Ponferrada, é muito técnica, e, em algumas partes bem perigosa, e ainda estou surpreendido com a minha prestação, pois era impensável fazer descidas com aquele grau de dificuldade há um ano atrás... bem bom!
A intenção para esta etapa, era chegar à base do O Cebreiro, mas as coisas correram bem, e quando demos por nós estávamos em Laguna de Castilla, a 2 kms do topo de O Cebreiro.
Não foi fácil chegar lá, porque depois de andarmos alguns kms por asfalto, encontramos umas inscrições na estrada que indicavam bikes pelo asfalto e pedestres pelo mato... se é pelo mato, é pelo mato, e começamos a descer bem dentro de um bonito bosque, mas que já dava para adivinhar o que viria a seguir... sabiamos que tinhamos que subir e subir, e de repente estávamos a descer? Quando chegamos ao fim da descida, já nem tinhamos luz do dia, tal a densidade de árvores, e deparamos com uma autentica parede, tivemos que ser nós a carregar as bikes, pois estas recusaram-se a subir... era impossível. Mesmo para um peregrino a pé era violento, agora imaginem nós  a carregar as bikes. Não sei onde fui arranjar forças, nem sei se sentia o que sentia, ou era impressão minha. Mas é nesses momento que percebemos (que percebi) porque razão estou ali... para testar os meus limites e se necessário superá-los.
Passado algum tempo, horas, começamos a receber mais claridade, mais luz, finalmente conseguimos sair do "buraco"... podiamos ter feito pela estrada? podiamos... mas não era a mesma coisa! - desculpem o plágio.
No albergue de Laguna de Castilla, uma zona bem rural, fiquei sem um par de meias, e ia ficando sem uns calções da bike, que fui encontrar no carro de apoio de um grupo de peregrinos. Simplesmente apanharam toda a roupa que estava a secar na corda... penso que não foi por mal, pois quem foi recolher a roupa, não se apercebeu que haviam peças que não pertenciam ao grupo. Tudo se resolveu.

12.08.2010 - LAGUNA DE CASTILLA - MELIDE - 108 KMS

Os "roncaderos" voltaram a fazer das suas outravez, dormi pouco, e o dia acordou frio e com muita neblina e nevoeiro, pois estavamos a grande altitude.
Depois de um pequeno almoço light (é sempre mais fácil comer um bom peq. almoço fora dos albergues e em pequenas povoações) começamos a pedalar pelo meio do nevoeiro e em direção ao topo de O Cebreiro... o difícil já tinhamos feito no dia anterior, mas ainda assim tivemos muito trabalho pela frente, depois de passar pelo topo, entramos num sobe e desce que não me agradou muito, um autentico quebra pernas, mas sabia que aquilo não podia demorar muito mais, que alguma vez teria que começar mesmo a descer... e não é que começamos mesmo?  E que descida, brutal, longa, rápida, técnica e também perigosa nalgumas partes... mais uma vez são necessários bons travões, e não há dúvida que uma bike com suspensão total faz a diferença nas descidas.
Durante a descida, atravessamos muitas aldeias rurais, onde o cheiro a excremento de vaca turva-nos o pensamento e a concentração... mas mesmo assim foi muito bom... yesssss!
Chegados a Melide, encontramos o albergue cheio, o que já esperavamos, pois é uma zona estratégica para chegar no dia seguinte a Santiago, tanto para bikers, como para peregrinos a pé. Depois de algumas indicações, fomos dormir e bem num alojamento particular. Acabamos por jantar numa cervejaria que havia por baixo.

13.08.2010 - MELIDE - SANTIAGO DE COMPOSTELA - 52 KMS

Estratégicamente, deixamos uma distancia mais curta para o último dia, foi também uma boa opção, pois o objectivo, era iniciar o regresso a casa ainda durante a tarde, o que veio a acontecer.
Esta última etapa, não tem muita história, fizemo-la nas calmas, sabendo que tinhamos tempo, e que não haviam dificuldades de maior... digamos que o maior problema foi a quantidade enorme de peregrinos que estavam a fazer este último percurso.
Paramos na "Casa da D. Dolores", pedimos um bocadilho com ovos mexidos (da casa) feitos no momento, uma maravilha, partimos outra vez e rápidamente chegamos ao Monte do Gozo.



Daí até Santiago foi um pulinho, sem nenhuma espécie de misticismo, mas ao mesmo tempo muito satisfeito por ter cumprido mais um desafio, sem quaisquer problemas fisicos ou mecânicos.
No geral, tenho que dizer que não sendo intransponível, para fazer o Caminho Francês, é necessária uma boa preparação física, e acima de tudo estar bem preparado psicológicamente, e claro uma boa bike.
Claro que tudo isto não serviria de nada se não fosse a grande companhia do meu amigo Zé Boto. Um abraço Zé e parabéns também para ti.

Rogério Pinto
13.05.53
21.08.10